Sobre os dez anos do PT no poder

Atualizado em 27 de fevereiro de 2013 às 21:31

O partido estabeleceu novo padrão no combate à pobreza, mas fez menos do que devia.

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Lula e Dilma

Dez anos de PT no poder.

Como avaliar?

Bem, a maior contribuição do PT foi colocar foco no combate à pobreza de uma forma como jamais acontecera antes, com a possível exceção de Vargas.

Os admiradores de FHC gostam de dizer que o primeiro choque de renda para os pobres veio com o fim da inflação, e é verdade.

Os brasileiros mais bem situados tinham inúmeras maneiras de enfrentar a inflação. Os desvalidos, não. Seu dinheiro se corroía continuamente.

Mas sem cinismo: o ganho dos pobres foi efeito colateral do Plano Real. Os autores do plano em nenhum momento se detiveram nos benefícios que alcançariam, marginalmente, os pobres.

No decênio petista, a miséria diminuiu, é verdade. As estatísticas comprovam isso, a começar pelo consagrado Coeficiente Gini. Infelizmente, a velocidade com que se vem combatendo a iniquidade social é menor do que seria de desejar.

Os petistas podem argumentar que é a velocidade possível, dadas as resistências do chamado 1%, claramente expressas na grande mídia, mas isso não altera o fato de que ainda existe mais miséria do que deveria existir depois de dez anos de administrações populares.

Continuamos a ser uma Dinamália, parte Dinamarca, parte Somália. Quando seremos uma Dinamarca? É preciso aumentar a velocidade, e isso requer uma coisa chamada ousadia.

Na parte dos costumes políticos, o PT ficou aquém das expectativas. É certo que elas eram elevadíssimas, e então a frustração era quase inevitável com o correr dos dias. Você só não se decepciona com alguma coisa se sua expectativa é moderada.

Mas não se pode esquecer que quem elevou as expectativas foi o próprio PT, com um discurso em que se declarava “diferente” de todo o resto. Como esquecer os 300 picaretas do Congresso dos quais falou Lula no começo de sua jornada política?

O PT, no quesito ético, ficou aquém do esperado. Fez muitas coisas de caráter duvidoso que todos os outros faziam, e a grande faxina que ele prometera jamais se realizou.

Ninguém esperava, nos anos de formação do PT, que fossem feitas alianças com políticos como Sarney e Maluf.

Também não se podia imaginar que Lula fizesse a apologia da grande contribuição, aspas, de Roberto Marinho quando este morreu. Poucas pessoas fizeram tanto pela iniquidade nacional como Roberto Marinho, e Lula evidentemente sabia disso quando o louvou tão demagogicamente, tão descabidamente — e tão em vão, visto o tratamento massacrante que recebe das Organizações Globo.

Sem coisas assim não se governa? Onde, então, o esforço para uma reforma política que evite  parcerias complicadas?

A maior obra do PT talvez tenha sido involuntária: com sua chegada ao poder, ficou claro o quanto a elite brasileira – ou o 1%, se preferirem a linguagem do Ocupe Wall St — luta pela conservação de seus privilégios.

É obra dessa elite – cuja voz está nas grandes corporações de mídia – a iniquidade social que virou a grande marca do Brasil a partir da ditadura iniciada em 1964.

A elite mudou apenas de geração. Era Roberto Marinho na Globo, e agora são seus três filhos. Era Octavio Frias, e agora é Otávio Frias. Mudou a geração, mas não a sofreguidão no combate pelas vantagens.

O PT não transformou o Brasil numa Dinamarca em dez anos. Não ficou perto disso, sequer. Mas com sua chegada ao Planalto os brasileiros puderam ver com clareza quem empurra o país na direção da Dinamália, e com quais motivações.

Tanques no Golpe de 64
Tanques no Golpe de 64

Do ponto de vista psicológico, o poder de alguma forma deslumbrou alguns petistas ilustres. Não foram todos os que resistiram aos vinhos de alguns milhares de reais e à possibilidade de enriquecimento rápido. Palocci é apenas um caso. A frugalidade de Pepe Mujica, o presidente do Uruguai, ou mesmo a de Chávez, pode ser inspiradora para o futuro do partido.

Um certo deslumbramento, sim. Mas não um espírito “conspiratório”, como afirmou a Folha num editorial sobre os 10 anos do PT no poder.

É só olhar para o passado da própria Folha para ver se existem razões ou não para que se temam conspirações.

No auge da ditadura militar, peruas da Folha foram cedidas por Frias à polícia política de São Paulo para perseguir, prender e por vezes matar “subversivos”.

As circunstâncias, hoje, não favorecem o 1% como em 1964. Não existem generais à mão, depois da calamidade que foi a gestão militar. A CIA tem tarefas dificílimas no Oriente Médio para se ocupar da América Latina, onde foi mestra em desestabilizações de governos democráticos.

A arma que sobrou ao 1% é o berro da mídia, tão estridente hoje quanto em 1964. Não é pouca coisa, mas não é o suficiente para derrubar governos.

O PT talvez não tenha se dado conta disso.  Muitas vezes, nestes dez anos, mostrou um grau paranoico de intimidação perante o 1%, e isso retarda consideravelmente a caminhada rumo a uma sociedade menos desigual.

Se fosse um estudante, o PT passaria longe da nota máxima por seu desempenho nestes dez anos. Mas, mesmo não tendo sido brilhante, foi melhor que seus antecessores e estabeleceu um novo padrão em ações sociais – e é por isso que tem sido vitorioso nas urnas.