
Eleito vereador pelo DEM de São Paulo, o dirigente do MBL Fernando Holiday poderia aproveitar o risco de ter o mandato cassado por fazer propaganda no dia das eleições e repensar o seu papel na política e no mundo.
Holiday é negro, homossexual e de origem humilde. Em janeiro tomará posse na Câmara Municipal como representante de um partido historicamente ligado a agendas retrógradas.
O comprometimento do DEM com o status quo é notório. Em 2009, tentou impedir a implantação da cotas raciais na UNB, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
A legenda usou o mesmo tipo de ação para atacar o Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta a demarcação de terras quilombolas.
Uma das estrelas do partido é o senador Ronaldo Caiado, legítimo representante da elite coronelista agrária e uma das vozes mais estridentes na consumação do impeachment da presidente Dilma e consequente desmantelamento das conquistas sociais.
Embora na aparência e na conta bancária Holiday seja o oposto dos caciques do DEM, no campo da ideias é cheio de afinidades. Tem obsessão contra o PT e espezinha as políticas de cotas e de promoção da diversidade. Grita contra a corrupção ao mesmo tempo que ignora o extermínio anual de 23 mil jovens negros.
No primeiro vídeo que gravou após ser eleito, o rapaz que comparou cotistas negros a vermes e porcos prometeu apoiar a decisão do prefeito eleito João Dória de acabar com a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial (SMPIR).
Como argumento para defender o corte, ela afirma que a secretaria “nunca ajudou ou procurou combater o racismo”. Para ele, a SMPIR é “segregacionista” e “trouxe mais divisão à cidade de São Paulo”.
Parece mais o discurso de algum milionário branco de 60 anos, bisneto de latifundiários e com residência de inverno em Campos do Jordão.
Vindo da boca de um rapaz negro de 20 anos, soa no mínimo esdrúxulo e renderia um instigante estudo de caso para a psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza, autora do livro “Tornar-se Negro”.
A obra fundamental no campo das relações raciais faz um estudo da vida emocional dos negros e aborda questões como a negação da própria cultura e das suas características.
“Ser negro não é uma condição dada, a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro”, diz uma das passagens mais famosas do texto.
Ainda há tempo para Fernando Holiday tornar-se negro.