A morte da Falha de S. Paulo é um atentado à liberdade de expressão

Atualizado em 20 de fevereiro de 2013 às 14:46

O poder econômico e a intolerância falaram mais alto.

Banida

Nota do redator: este texto foi escrito pouco antes de, mais uma vez, a justiça se decidir, absurdamente, contra a Falha de S.Paulo, nesta manhã.

Torço pela ressurreição da Falha de S. Paulo, morta pela Folha de S. Paulo. A paródia foi abatida a tiros na justiça pelo ‘jornal a serviço do Brasil’.

Os responsáveis pela Falha não se dobraram. Hoje, o caso será apreciado pela justiça na segunda instância. Na primeira, a sentença de morte foi mantida.

Torço pela vitória da vida, e da liberdade de expressão, hoje. O otimismo é moderado, dada a diferença do poder econômico e de intimidação entre as duas partes.

Soube do caso ao escrever sobre a participação de Diogo Mainardi no Roda Viva. Vi então que um jornalista fora desconvidado pelo programa. Era ele, o editor da cassada e caçada Falha de S. Paulo.

É um caso que mereceria uma discussão na imprensa brasileira, certamente. Mas, pelo que entendo, a mídia tradicional ignorou e ignora o assunto.

O jornal conseguiu nos tribunais tirá-la do ar com argumentos jurídicos de duvidosa qualidade — se pensarmos que a Folha se autoproclama uma campeã da liberdade de expressão. A eles se juntou uma pressão econômica ignominiosa: os irmãos responsáveis pela Falha, Lino e Mário Bocchini, jovens da classe média paulistana, simplesmente quebrariam se não tirassem rapidamente o site do ar.

Notemos que nos Estados Unidos o New York Times nada fez contra a paródia Not New York Times, e como esta há copiosas histórias no mundo da imprensa.

A mídia brasileira gritou, há algum tempo, quando o jornalista equatoriano Emilio Palacio foi processado pelo governo de Rafael Correa e condenado a pagar uma multa pesada – afinal perdoada.

Palacio — arquiconservador, uma espécie de Reinaldo Azevedo de poncho, apenas com mais poder, uma vez que tinha o cargo de editor de opinião do principal jornal equatoriano — costuma chamar Correa de Grande Ditador, com maiúsculas, num absoluto desprezo não apenas ao presidente mas aos milhões de equatorianos que o elegeram não uma, mas duas vezes. A administração de Correa é, nos artigos de  Palacio, “a Ditadura”.

Sabemos o que é ditadura. Palacio seria bem menos corajoso se estivesse sob uma de verdade. Sob Pinochet, por exemplo. É, como seu duplo brasileiro, o falso herói, aquele que se voluntaria para lutar quando não há guerra. Hoje, Palacio está nos Estados Unidos, de onde continuará, bravamente, a combater a vontade de seu povo como se fosse um mártir da liberdade.

A mídia brasileira se alvoroça também com o esculacho dado à blogueira Yoani Sanchez, como se vaiá-la não pertencesse ao terreno sagrado da liberdade de expressão.

Mas nenhuma voz se ergue em defesa da Falha de S. Paulo. Vejo que o argumento para bani-la é que ela é uma ameaça à marca Folha de S. Paulo. Hahaha. Falha de S. Paulo é um apelido carinhoso que os paulistanos deram à Folha há muito tempo. Seus próprios jornalistas muitas vezes se referem assim a ela nas conversas informais. A Falha é, ou era, simplesmente uma paródia, uma brincadeira, uma comédia.

Teria feito sentido o Estado de S. Paulo, em 1921, pedir que a recém-fundada Folha de S. Paulo fosse suprimida pela semelhança do produto e pelo uso de S. Paulo no logotipo? E a AOL deveria tentar liquidar o UOL?

Foi um ato de intolerância e intimidação o que a Folha fez com a Falha, um mau momento que remete à empresa que, na escuridão espessa, sob as ordens de seu dono — Octavio Frias, que Clóvis Rossi adora dizer que era um grande jornalista  –, emprestava carros para a ditadura militar perseguir e matar opositores. Se é verdade que as pessoas podem confundir as duas pela semelhança das marcas —  uma enorme, outra composta de dois irmãos —  então a Folha tem um problema sério de conteúdo e e identidade, e ele não vai ser resolvido com a extinção da Falha.