Eu, uma modelo de webcam

Atualizado em 20 de fevereiro de 2013 às 17:14

Rebeca Galabarof conta os bastidores de sua profissão: stripper virtual.

Legenda
“Dá para ganhar até US$ 15,99 por minuto” (foto: VGC)

Vulgarmente falando, ser modelo de webcam significa entrar num site, ficar na frente de uma câmera, tirar a roupa, conversar com um estranho e se masturbar. Teoricamente, qualquer um pode fazer isso. Na prática, porém, a banda toca em outro ritmo.

Em 2009, eu tinha acabado de entrar na faculdade de Direito do Trabalho. Na época todo mundo ainda se falava por MSN. Fui copiando e colando de janela em janela: “Meu, preciso de um trampo. Se souber de alguma coisa, por favor me avisa. É urgente.”

Recebi algumas respostas tipo “Ah, tem uns freelas na agência de publicidade de fulano”, “Sabe o novo restaurante mexicano de ciclano? Eles estão procurando por um recepcionista”, “Conheço a gerente da loja X no Shopping Y, posso tentar conseguir uma entrevista” e no meio disso tudo tinha uma mensagem de uma amiga dizendo: “Olha, eu conheço esse trabalho aqui e eu tô recrutando modelos. Tá afim?”

Não fazia ideia que strippers virtuais existiam, mas fiquei encantada com o trabalho. A ideia era muito mais exótica e interessante que as outras possibilidades de trabalho e a diferença de ganhos era exorbitante.

Cresci tendo grana, o suficiente para nunca pensar que teria que trabalhar enquanto estivesse cursando uma faculdade. Isso não existia na minha realidade. Acontece que minha família faliu e eu descobri o valor da minha escola, do meu tênis e a cor de uma conta de telefone apenas quando tinha uns 15 anos de idade.

Quando fiz as contas do quanto ser uma camgirl me renderia, percebi que se obtivesse êxito, poderia morar sozinha, fazer minhas viagens, pagar minha faculdade e viver numa padrão, considerado por mim, bacana.

O apoio da minha mãe

Assim que soube dessa oportunidade de trabalho, fiz uma pesquisa gigantesca sobre o assunto e mostrei tudo para minha mãe. Minha mãe é meu amuleto, minha família inteira, minha melhor amiga e agora minha produtora. Durante os meus 22 anos de vida, nunca fiz nada sem a aprovação dela. Temos um relacionamento muito legal e conversamos sobre tudo com muita naturalidade. Caso um dia eu decida ter um filho (deixo registrado aqui) o educarei da mesma forma como fui educada.

Desde o principio dessa saga toda, recebi todo o apoio do mundo. Ela me ajudou a perceber que não tinha nada de errado com essa profissão e que também não havia problema nenhum em não querer seguir em frente com essa história, que eu era livre para ser quem eu quisesse ser.

O primeiro dia

Resolvi tentar. Se não gostasse era só não fazer mais, não é mesmo?

A agência em que eu trabalhava ficava no Morumbi. Era uma casa grande, com vários cômodos. Cada modelo ficava em um e fazíamos nossos shows dali.

Lembro que saia da agência me sentindo como uma criminosa, como se eu tivesse acabado de fazer uma coisa muito errada e libertadora ao mesmo tempo. Era parecido com aquela sensação pós-perda-da-virgindade que você fica imaginando se as pessoas estão notando algo de diferente em você, sabe?

No começo tudo era muito confuso. Trabalhava em vários sites simultaneamente e não sabia muito bem como administrar meu próprio trabalho. Ficava toda desengonçada com várias buzinas apitando ao mesmo tempo, me sentia um pouco desconfortável com o meu corpo e caia na desgraça de mostrar insegurança na câmera.

Pensei que aquilo fosse ser um milagre econômico na minha vida. Foi muito frustrante perceber que os resultados levariam um bocado de disciplina e transpiração para aparecer. Com o tempo peguei os macetes, saí da agência e passei a trabalhar do meu apartamento e nisso comecei a ganhar mais dinheiro.

Resolvi investir, coloquei silicone nos seios e fiz uma lipo.

No meu doloroso período de recuperação pós-cirúrgico, surgiu a ideia de montar o Studio VCH, uma agência própria. A ideia veio quando percebi quanto tempo perdi por não ter um treinamento adequado para que eu pudesse ser uma modelo mais eficiente. Precisei aprender tudo na raça e na coragem, sendo que já existiam agências que realmente extraíam o melhor de suas modelos na Europa e nos EUA.

O período sabático

Por motivos pessoais, fiquei off-line por mais de ano e quando voltei muita coisa tinha mudado. O mercado do entretenimento adulto na internet é muito grande e dinâmico.

Hoje em dia, para ter alguma chance como cam model,  é necessário ter um estúdio montado. A coisa ficou muito profissional. Se você não estiver disposto a investir, nem comece, pois tem que ter luz, microfone, cenário, câmera de verdade (a webcam ficou obsoleta demais), maquiagem profissional e etc. Já existem sites com modelos transmitido apenas em 3D; não acredito que vá demorar muito tempo para a holografia invadir nossas casas.

A crise econômica estava muito forte nos EUA e com ela centenas de modelos de verdade, mulheres estonteantes, entraram para os sites em que eu trabalhava e passaram a competir comigo. Foi e ainda é bastante assustador. É um negócio extremamente competitivo: existem rankings, competições de vídeos produzidos por produtoras de verdade, notas, gráficos com avaliações de desempenho…

Mesmo com todo o caos no mundo, pode-se perceber nitidamente que as pessoas estão viciadas nesse serviço, mesmo sendo tão caro. Conheço modelos que estão no mercado há mais de 10 anos e todas dizem o mesmo: “Nunca tivemos tantos acessos pagos como agora”.

Aos meus olhos, saber que mais de 30 mil pessoas se cadastram em sites de VideChat por dia é bastante excitante do ponto de vista financeiro e deveras preocupante do prisma antropológico. Tenho total consciência que meu trabalho é uma doença social, tal qual o Facebook, o iPhone e etc.

Os números

Ganha-se por minuto. Isso vária de US$ 0,99 até 15,99. Cada modelo escolhe o valor que deseja cobrar. As modelos ficam com porcentagens razoavelmente baixas, que costumam variar de 30% até 75% do lucro bruto. Devido ao tráfico brutal, compensa. O valor das porcentagens variam de acordo com a modelo e o site. Funciona como todos os outros mercados: 10% das modelos dão realmente certo e o resto apenas ganha um cash extra.

A Reação dos Outros

Quando comecei a trabalhar já tinha namorado, ele estranhou um pouco no começo, mas depois levou tudo numa boa. Nosso relacionamento durou desde o começo da minha carreira até há alguns meses, inclusive ele foi o autor de várias fotos e vídeos meus.

Há anos eu não falava para quase ninguém sobre o meu trabalho, ficava receosa pela reação alheia. O brasileiro faz uma coisa e diz outra completamente diferente. Depois de viajar um pouco e compreender meu lugar no mundo, achei que deveria abrir o jogo para todos.

Em alguns países ser uma cam-model significa status puro, e em outros é apenas um trabalho. Por que aqui tem que ser diferente? Por que aqui tem que ser feio? Todo mundo já fez sexo virtual, com conhecidos ou não. Todo mundo já brincou na webcam. Isso é super natural, não vai crescer pelo na sua mão se você se masturbar. Prometo.

Não entendo muito bem o raciocínio das pessoas que veem mal em cobrar por isso, afinal é só um trabalho e é muito legal. Inclusive, devo confessar que uso minha profissão como uma maneira de triar as pessoas com as quais eu convivo. Jamais namoraria um homem preconceituoso e retrógrado, mesmo que trabalhasse com outra coisa.

Quero deixar bem claro que meus shows são exclusivamente virtuais e veiculados apenas para fora do Brasil. Infelizmente, não consegui deixar isso explicito no Programa do Jô.

E por que eu resolvi levar esse assunto todo a tona publicamente, já que eu não lucro nada com isso? Porque essa profissão existe, é legalizada, é nova no Brasil e deve ser discutida (independentemente se você goste do assunto ou não) porque a tendência só é aumentar – oferta e demanda – e se você esta conectado, isso faz parte da sua realidade, direta ou indiretamente.

Rebeca no programa do Jô
Rebeca no programa do Jô